COLETA DE DADOS


1 Roteiro de Entrevista – aplicado a profissional da área de cultivo, importação e exportação de vinho e enólogo.
Há muitos milênios o vinho é cultuado por todo o mundo. No Brasil, apesar de ainda ser recente o plantio da uva, o consumo de vinhos, sejam importados ou nacionais, tem aumentado significativamente. Em conjunto, as tecnologias aplicadas ao solo, o controle de irrigação e de pragas elevou a qualidade dos produtos, que agora buscam melhor aceitação do mercado interno e externo, quebrando paradigmas. Para melhor pesquisa e para estudar as aplicações tecnológicas no cultivo das uvas do Vale do São Francisco, abordando a importância do comércio exterior dos vinhos, pedimos que responda as perguntas. Seus comentários são essenciais aos nossos propósitos pelos quais agradecemos.

1. Como é o Terroir no Vale do São Francisco?
É um Terroir totalmente diferente das regiões vinícolas tradicionais, a começar pela latitude 8º. As regiões vinícolas do mundo estão localizadas entre 30º e 50º, aproximadamente, pois nessa faixa (norte e sul) o comportamento do clima é favorável às videiras. No SF temos muito mais sol, mais vertical. Como é uma região quase desértica, as noites são frescas, constituindo um Terroir razoável, mas ainda há muito que aprender.

2. O vale do São Francisco é o único lugar no mundo onde se consegue ter a colheita três vezes ao ano. Que fatores foram essenciais para obter esse êxito?
Não é um êxito, é uma característica. O sol fortíssimo amadurece as uvas muito rápido, e como tem sol o ano todo, os vinicultores controlam o ciclo das videiras com a irrigação, usando rotação de áreas, como se faz em pastos. Nas regiões tradicionais esse ciclo dura um ano, e a dormência das plantas no inverno é fundamental para a qualidade da safra.

3. O Rio Grande do Sul foi a primeira região no Brasil a obter resultados positivos no cultivo da uva no Brasil, mas o Vale São Francisco é quem vem obtendo destaque. Existem muitas diferenças no cultivo da uva entre essas duas regiões distintas?
Não é muito verdade. O SF tem tido algum destaque, porque é um projeto inusitado, fazer vinho a 8º de latitude. As diferenças são do comportamento do Terroir, como explicado acima.

4. O uso da tecnologia na vinicultura altera de algum modo o resultado final do vinho?
Sim, muitas técnicas permitem hoje fazer trabalhos de viticultura impensáveis no passado, como irrigação controlada por computador, podas diferenciadas, secagem dos frutos com ar quente, e mesmo as técnicas biológicas de vinhedos.

5. Como a tecnologia avançada e os estudos de laboratório sobre o vinho vêm ajudando o Brasil a ter destaque mundial em suas produções?
O Brasil não tem destaque mundial em suas produções. Somos apenas considerados exóticos, e um grupo de vinícolas de ponta tem investido muito para ter alguns rótulos no mercado internacional. No caso dos espumantes, o nosso estilo muito mais fresco e frutado surpreende os consumidores mundiais, mas isso não é resultado da técnica, apenas é uma manifestação de nosso Terroir.

6. O Vale do São Francisco como um todo é resultado de bastantes estudos geográficos e intervenção humana. Sem a intervenção humana seria possível obter algum resultado sobre o cultivo da uva nessa região?
Não, o Terroir do SF é totalmente artificial. Sem tecnologia não se produziria nada.

7. Podemos realmente afirmar que o Terroir do Vale do São Francisco é a combinação perfeita, sendo única no mundo?
Não, isso é um exagero. O SF é um laboratório, há muito que aprender, e sua vocação é de produzir grandes volumes com custos menores (mas não se sabe ao certo quanto), mas definitivamente a qualidade obtida ainda não suporta nenhuma afirmação desse tipo.

8. Como foi o inicio do cultivo da uva no Vale do São Francisco?
Existiram experiências anteriores à fase atual, mesmo um pioneiro em 1954. Há que pesquisar.

9. Quais foram os principais desafios encontrados?
Foram detectados problemas de falta de longevidade mínima em muitos vinhos, além de pragas diferentes das outras regiões. Tudo isso exige pesquisa e aprendizado. Leva tempo. Por exemplo, as mudas de videiras podem morrer ao sol no início do plantio, é sol demais. A vinícola Garziera inovou ao cobrir as mudas com gesso, fazendo um escudo contra o calor excessivo. Quando a planta está forte, ela quebra a casca de gesso e segue em frente, como um pássaro sai do ovo. Isso é tecnologia, criada para atender uma demanda que não existe em lugar nenhum. Um lugar parecido é a ilha de Maillorca, Espanha, em pleno Mediterrâneo. Ali apenas as variedades autóctones suportam o sol. Isso é adaptação, ao longo dos séculos.

10. Quais benefícios o cultivo da uva trouxe para a vida da população vizinha ao Vale do São Francisco?
O SF é muito forte na produção de frutas para exportação, entre elas uvas de mesa, indústria que evoluiu com a tecnologia. A idéia de fazer vinho surgiu como consequência disso. A produção agrícola sustentada pela irrigação do rio é um fator importantíssimo para a riqueza da região e seu povo.

11. Qual a influência do cultivo na economia dos estados do Pernambuco e Bahia?
Veja acima.

12. Ainda nos dias de hoje, mesmo com tantos êxitos nessa região, ainda existe algum tipo de dificuldade na aceitação do produto no mundo?
Não, pelo contrário, o SF é exótico e inusitado, então fica até mais fácil de introduzir. Daí para vender muito é outra história.

13. O que é preciso fazer para que o Brasil ganhe nome também como bom produtor de vinhos?
(SIC). Fazer bons vinhos, e ter preços competitivos. Nos espumantes isso já acontece.

14. Já está sendo quebrado o preconceito sobre o vinho brasileiro?
Parcialmente sim, porque os novos consumidores são jovens e não têm os preconceitos antigos, mas a grande barreira são os preços.

15. Há enólogos brasileiros reconhecidos no mercado internacional?
Boa pergunta, não sei dizer com certeza, mas eu diria que ainda não. Nossos enólogos vão à Europa, Austrália, para aprender. Ainda estamos na escola primária da enologia.